Os mortos de Santa Maria vão assombrar o Brasil por
muitos anos. Os mais de 230 jovens perderam a vida no momento em que seus sonhos
começavam a se materializar, abrindo-se para eles as largas avenidas de uma
existência plena. Em dez minutos tudo se acabou para eles. Morreram asfixiados
pela fumaça impregnada de gás cianeto, composto mortal que se desprende de
certos materiais sintéticos em chamas, como o que recobria o teto da casa de
espetáculos em que assistiram a seu último show.
Como mostra essa Edição Especial de VEJA, as moças
e os rapazes foram vítimas de uma sucessão de erros, de desleixo, negligência,
de desapego às leis e às normas de segurança, subprodutos da corrupção de
valores que se impregnou no tecido social brasileiro e que está nos cobrando um
preço alto como nação. Se o teto era inflamável, a casa não poderia ter
recebido no palco uma banda que utiliza efeitos pirotécnicos – o que era sabido
de todos. Se a lotação máxima era de 600 pessoas, não se pode aceitar que tenha
entrado quase o dobro. Em lugares públicos em que se aglomeram multidões, tem
de haver extintores de incêndio e saídas de emergência. Nada disso foi observado.
Se além disso tudo não faltam exemplos recentes de
desastres de causas semelhantes, então a morte dos jovens de Santa Maria não
pode ser descrita como fatalidade, mas como crime. Os parentes e amigos das
vítimas clamando por “justiça” e portando cartazes contra a “corrupção
assassina” não têm dúvida disso.
Os namorados Yasmin e Lucas, ela com 19 anos, ele
com 20, tinham se separado na boate quando o garoto foi ao banheiro e pediu à
menina que guardasse por uns minutos o chapéu. Nunca mais se viram.
Inúmeras tragédias brasileiras produziram promessas
dos governantes e manchetes indignadas na imprensa (inclusive de VEJA):
“Basta!”, “Chega!”, “Até quando?” E quais foram os resultados práticos da
indignação? Nenhum. As chuvas continuam a matar na serra fluminense; os barcos
superlotados continuam a produzir sua safra de náufragos no Rio Amazonas; os
prédios continuam a desabar nas cidades porque os empreiteiros usaram materiais
inadequados mais baratos ou ignoraram exigências estruturais. Não se passa um
ano sem que se tenha a notícia da morte por negligência de uma criança em um
parque de diversões; não se passa uma semana sem o registro de uma ocorrência
fatal no trânsito provocada por um motorista embriagado. Quantos responsáveis
por algumas dessas tragédias estão cumprindo pena de prisão no Brasil? Nenhum.
Em muitos países, é inconcebível que uma única morte violenta ocorra sem que
sejam levantadas as causas e identificados e punidos os culpados. No Brasil, as
lágrimas lavam a dor dos parentes dos mortos e a justiça encerra sem
consequências drásticas, penas exemplares ou lições duradouras os processos
abertos para apurar responsabilidades de morte violentas múltiplas.
Que os jovens mortos de Santa Maria tenham sido os
derradeiros mártires feitos pela irresponsabilidade criminosa no Brasil. Que a
memória deles não se desfaça até que a maldição da impunidade, da corrupção de
valores e da licenciosidade deixe de vitimar inocentes no Brasil. Só então os
mortos de santa Maria deixarão de nos assombrar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário