domingo, 2 de junho de 2013

CARTA AO LEITOR



Os mortos de Santa Maria vão assombrar o Brasil por muitos anos. Os mais de 230 jovens perderam a vida no momento em que seus sonhos começavam a se materializar, abrindo-se para eles as largas avenidas de uma existência plena. Em dez minutos tudo se acabou para eles. Morreram asfixiados pela fumaça impregnada de gás cianeto, composto mortal que se desprende de certos materiais sintéticos em chamas, como o que recobria o teto da casa de espetáculos em que assistiram a seu último show.
Como mostra essa Edição Especial de VEJA, as moças e os rapazes foram vítimas de uma sucessão de erros, de desleixo, negligência, de desapego às leis e às normas de segurança, subprodutos da corrupção de valores que se impregnou no tecido social brasileiro e que está nos cobrando um preço alto como nação. Se o teto era inflamável, a casa não poderia ter recebido no palco uma banda que utiliza efeitos pirotécnicos – o que era sabido de todos. Se a lotação máxima era de 600 pessoas, não se pode aceitar que tenha entrado quase o dobro. Em lugares públicos em que se aglomeram multidões, tem de haver extintores de incêndio e saídas de emergência. Nada disso foi observado.
Se além disso tudo não faltam exemplos recentes de desastres de causas semelhantes, então a morte dos jovens de Santa Maria não pode ser descrita como fatalidade, mas como crime. Os parentes e amigos das vítimas clamando por “justiça” e portando cartazes contra a “corrupção assassina” não têm dúvida disso.
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Os namorados Yasmin e Lucas, ela com 19 anos, ele com 20, tinham se separado na boate quando o garoto foi ao banheiro e pediu à menina que guardasse por uns minutos o chapéu. Nunca mais se viram.
Inúmeras tragédias brasileiras produziram promessas dos governantes e manchetes indignadas na imprensa (inclusive de VEJA): “Basta!”, “Chega!”, “Até quando?” E quais foram os resultados práticos da indignação? Nenhum. As chuvas continuam a matar na serra fluminense; os barcos superlotados continuam a produzir sua safra de náufragos no Rio Amazonas; os prédios continuam a desabar nas cidades porque os empreiteiros usaram materiais inadequados mais baratos ou ignoraram exigências estruturais. Não se passa um ano sem que se tenha a notícia da morte por negligência de uma criança em um parque de diversões; não se passa uma semana sem o registro de uma ocorrência fatal no trânsito provocada por um motorista embriagado. Quantos responsáveis por algumas dessas tragédias estão cumprindo pena de prisão no Brasil? Nenhum. Em muitos países, é inconcebível que uma única morte violenta ocorra sem que sejam levantadas as causas e identificados e punidos os culpados. No Brasil, as lágrimas lavam a dor dos parentes dos mortos e a justiça encerra sem consequências drásticas, penas exemplares ou lições duradouras os processos abertos para apurar responsabilidades de morte violentas múltiplas.
Que os jovens mortos de Santa Maria tenham sido os derradeiros mártires feitos pela irresponsabilidade criminosa no Brasil. Que a memória deles não se desfaça até que a maldição da impunidade, da corrupção de valores e da licenciosidade deixe de vitimar inocentes no Brasil. Só então os mortos de santa Maria deixarão de nos assombrar.

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